segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Quatro desculpas


No último dia 18 de agosto, a Rede Globo fez o seu tradicional espetáculo anual do projeto Criança Esperança, com Didi Mocó vestido de astronauta, com a Xuxa vestida de princesa, com artistas famosos e quase famosos atendendo telefones, e com aquelas apresentações de músicas de gosto duvidoso, mas que todo mundo gosta.

No dia seguinte, domingo, 19 de agosto, a Organização das Nações Unidas promoveu um grande evento para o Dia Mundial Humanitário, com direito a música tema gravada pela cantora Beyoncé, com apresentação ao vivo na sala da Assembléia Geral e com uma envolvente campanha publicitária chamada I was here (Eu estive aqui), que convocava cidadãos do mundo inteiro para fazer algo de bom por outra pessoa e, por esta razão, deixar sua marca na Terra.

Cinco dias depois, no sábado, 25 de agosto, a rede de restaurantes McDonald’s, por meio do seu Instituto Ronald McDonald, também realizou o seu habitual McDia Feliz, em que o valor arrecadado com a venda de Big Macs é integralmente revertido para instituições de apoio e tratamento de crianças com câncer. Talvez seja uma tentativa de amenizar a culpa intrínseca ao negócio de fast-food, que junto com lucros inestimáveis, colhe também frutos podres de seu cardápio de hambúrgueres, alface, queijo, molho especial, cebola, picles e pão com gergelim – uma fórmula que praticamente nos empurra para dentro do caixão. Ainda assim, mesmo que nutricionistas do mundo inteiro condenem, mesmo que seja primordialmente uma ação de marketing, realizar o McDia Feliz é sem dúvida uma atitude positiva de solidariedade.

Para completar a lista de eventos do bem ocorridos somente nos últimos dias, entre 21 e 28 de agosto é celebrada a Semana Nacional da Pessoa com Deficiência Intelectual e Múltipla, em que principalmente instituições ligadas ao tema, como a APAE, por exemplo, promovem uma intensa programação de recreação e conscientização para os próprios deficientes, para seus familiares e para a sociedade.

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Segundo lista publicada pela revista americana Forbes no fim de 2011, as dez profissões mais felizes são:

1. Clérigos (padres ou pastores)

2. Bombeiros
3. Fisioterapeutas
4. Escritores
5. Professores de educação especial
6. Professores
7. Artistas
8. Psicólogos
9. Vendedores de serviços financeiros
10. Operários ou “engenheiros de operação”

Segundo a mesma revista, as dez profissões mais infelizes são:

1. Diretor de tecnologia da informação

2. Diretor de vendas e marketing
3. Gerente de produtos
4. Desenvolvedor de web sênior
5. Especialista técnico
6. Técnico em eletrônica
7. Assistente judicial
8. Analista técnico de suporte
9. Operador de CNC (Controle Numérico Computadorizado)
10. Gerente de marketing

Chamou a minha atenção que, entre as profissões felizes, nove são geralmente mal remuneradas (segundo a pesquisa, os vendedores de serviços financeiros que se dizem felizes justificam sua alegria pela enorme quantia de dinheiro que ganham) e seis envolvem uma mesma ação: ajudar os outros.

Fica evidente também que as profissões infelizes podem até pagar bem, mas têm sua rentabilidade anulada pela enorme carga de estresse no dia-a-dia e pela falta de significado emocional da sua carreira. Não há recompensa para a alma. Não há sentimento de utilidade. São técnicos, especialistas, diretores de tecnologia. Trabalhos que exigem muito da cabeça, mas ignoram o coração.

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A maioria de nós, eu inclusive, geralmente foge de trabalhos voluntários não por falta de vontade, mas pelo atropelo das tarefas cotidianas. Falta tempo. E quando arranjamos algum, nos sentimos no direito de dormir até mais tarde, dar uma corrida no parque, tomar um chope com os amigos. Afinal, somos adultos, pagamos nossos impostos e temos direito de ser felizes.

Por que então que, mesmo quando tudo está bem, mesmo quando temos emprego, saúde, família e tempo para descansar, parece que algo está faltando? Por que será que mesmo com tudo nas mãos, às vezes bate uma tristeza e alguns de nós entram em depressão?

Tenho certeza de que a lista da Forbes não tem fundamento científico, mas traduz um sentimento que qualquer pessoa tem por intuição. Dinheiro traz felicidade sim, mas até certo ponto. Chega uma hora que a alma pede algo a mais. E este algo a mais são coisas muito simples, como “sentir-se útil para alguém”, “sentir-se satisfeito consigo mesmo” e sentir por dentro uma das maiores fontes de realização pessoal: ter orgulho do seu dia.

Como comentei no início do texto, somente nesta semana o mundo ofereceu quatro desculpas para fazermos algo de útil e termos orgulho do nosso dia. A vida ofereceu quatro oportunidades de nos sentirmos um pouco mais felizes, independentemente da falta de tempo ou da nossa profissão. Eu garanti um pouco desse sentimento pra mim. Fica a sugestão.



10 comentários:

  1. Fabio,

    Tenho muita vontade de fazer um trabalho humanitário, mas a preguiça e as atividades do dia a dia me consomem e invento desculpas para não ir atrás. A "recompensa" para a alma deve ser boa. "Que dirá para quem recebe".

    Bjs.

    Mãe

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    1. Minha sugestão é ajudar com um pouco de dinheiro, pode ser bem pouco mesmo, aqui e ali. Já é um começo. bj

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  2. Fábio, sabe aquela história do colibri que leva uma gotinha de água p/ apagar um incêndio na floresta? Então, eu me sinto um colibri, mas me sinto muito bem c/ o que venho fazendo já algum tempo. Bjs

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    1. Cléo, sempre lembro outra história, da mitologia grega, para o mesmo sentimento: a de Sísifo. "Por toda a eternidade Sísifo foi condenado a rolar uma grande pedra de mármore com suas mãos até o cume de uma montanha, sendo que toda vez que ele estava quase alcançando o topo, a pedra rolava novamente montanha abaixo até o ponto de partida por meio de uma força irresistível. Por esse motivo, a tarefa que envolve esforços inúteis passou a ser chamada "Trabalho de Sísifo"."
      A diferença é que, no caso do voluntariado, o esforço não é inútil. Bj

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  3. Há alguns dias atrás conversei com meu irmão sobre "fazer a diferença". Ele como educador o faz, mas alertou-me que hoje valoriza muito o fazer a diferença para uma pessoa, ou duas ou três...fazer a diferença para os que passam por nós, para os que temos a oportunidade de encontrar no caminho, seja na nossa profissão ou no dia a dia. Estou a pensar sobre isso. Às vezes nos sentimos muito pequenos na nossa vidinha. Bjos. Monica Leite

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    1. Monica, concordo com ele no fazer a diferença para uma, duas pessoas. Fazer uma diferença de verdade, para um grupo menor de pessoas. Há alguns anos, decidi ser professor em uma faculdade pensando assim. Infelizmente não consegui conciliar as duas carreiras (publicidade e professor), porém foi um período extremamente gratificante. bj

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  4. Fábio, estou ainda mais feliz por saber que estou duas vezes na lista dos profissionais felizes: sou psicóloga e pós-graduada em educação especial. Hahahahah...

    Amei seu texto. I was here!

    Beijos aos Ludwig.

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  5. Curti! Faz muito tempo que não faço diretamente e propositalmente um bem a alguém, mas meu sentimento de um mundo melhor está cada vez mais presente.

    Ao mesmo tempo que me desespero com a crescente notícia de atos violentos a pessoas do meu convívio, fico muito feliz que descobri o que realmente importa pra mim recentemente (aprendizado esse que ainda não acabou. Parece que nunca terá fim) e também com gestos simples, como motoristas paulistas parando na faixa de pedestres.

    Acho que no final do dia, se soubermos fazer bem a nós mesmos, os outros serão beneficiados. E aí as coisas não passam ser uma questão de ter tempo. E sim, de sentir prazer em fazê-lo. :)

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    1. Dá pra fazer bem indiretamente também, em minha opinião. Apoiar projetos, ajudar empregados, colaborar com iniciativas de amigos/colegas já é alguma coisa. E muito, mas muito melhor do que nada. Penso assim.

      Abraço

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