segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

O segundo

Filho, 

Está chegando o seu segundo aniversário. Dia 6. E como eu fiz no primeiro ano, quero deixar um registro para você. Será que um dia você será capaz de ler? Será que um dia você conseguirá entender algo disso tudo, compreender ao menos um pouco do que escrevo? Não sei.

O que eu sei é que você – nossa família – está bem mais adiante do que imaginamos. E, ao mesmo tempo, bem atrás também. Não faz sentido, eu sei, mas é isso mesmo. A esperança nos puxa pra frente, a expectativa nos puxa para trás. A paciência nos faz andar, a ansiedade nos dá um tombo. É assim todos os dias, em todos os momentos com você. Na hora de comer, de brincar, de tentar ensinar algo de novo. Eu, sua mãe, o mundo, sempre querendo mais. E você exigindo calma. Impondo o seu ritmo. Decidindo por conta própria quando está pronto para aprender.

Sabe, meu filho, quando você ainda morava dentro da barriga da sua mãe, eu tinha uma imagem, uma cena, que sempre voltava à minha mente. Eu imaginava você com cerca dois anos entrando no meu quarto logo de manhã. Você tinha os cabelos encaracolados, claros, como foram os meus, e vinha andando só de fralda, camiseta e chupeta, com cara de sono, até a porta do quarto. Não sei por quê, sonhei de olhos abertos com essa cena muitas e muitas vezes. Você ali parado, em pé, coçando os olhos de sono, me chamado pra brincar.

Errei o palpite. Seu cabelo é mais escuro, mais curto, mais liso. Você não dá muita bola para chupeta, faz meses que não pega numa. Dorme de calças. Não acorda muito cedo. E, principalmente, não vem andando para o meu quarto. A verdade é que você é um imprevisto, meu filho. Uma surpresa. E como num filme muito bom, com viradas inesperadas, cortou da edição a minha cena clichê.

As imagens das nossas manhãs são outras. Às vezes, nos fins de semana, acordo mais tarde e encontro você ainda de pijamas no seu tatame da sala, explorando os seus brinquedos, geralmente com a língua, ou vendo TV. Quando chego perto, ganho um sorriso de olhos apertados e, na falta de um quimono para segurar, você me dá um agarrão na barba, às vezes complementado por uma babada em alguma área do rosto. Revido o golpe imediatamente. Ataco direto naquela área do pescoço logo abaixo da orelha, cafungando e fazendo cócegas, e você se encolhe dando risadas, puxando ainda mais a minha barba, mas resisto na minha posição, até vencer. É o nosso bom dia mais tradicional. Depois do embate, corro direto para a cafeteira. E você se volta novamente para o clipe infantil na televisão, concentrado mais na bolinha que pula por cima das letras do que nas imagens do vídeo.

Outra cena clássica é buscá-lo no berço, após ser avisado por seus grunhidos de que você está acordado. Encontro você sentado, as pernas esticadas, tentando manter o equilíbrio, um exercício difícil por si só em qualquer momento do dia, ainda mais com sono. Seu corpo ainda não aprendeu o tradicional gesto de pedir colo, meu filho. Você não estica os braços quando nos vê, porque ainda precisa deles apoiados para ficar sentado. Porém, como sempre, inventou seu jeito de se fazer entender. Quando chego perto, recebo o infalível sorriso e, rapidamente, você eleva os braços só até a altura dos ombros, com os cotovelos encolhidos, perdendo completamente o sustento que mantém o seu tronco em pé. Em outras palavras, se eu não pegá-lo, ou você cai pra frente, ou cai para trás. É como um jogo da confiança matinal. E você confia.

Mas a minha cena preferida é quando a sua mãe faz a gentileza de se levantar para buscá-lo no berço. Ela coloca você entre a gente na cama, pois às vezes o seu horário ainda é bastante cedo para adultos acima de dois anos. Sinto o seu corpo rolar até o meu, mas finjo que continuo dormindo. De olhos fechados, tomo um puxão na minha barba, um chute de calcanhar na barriga, seguido de outro nas costelas, outro ainda mais forte na barriga de novo e, em manhãs de azar, sou agraciado com um último chute nas partes baixas. Aguento firme. Por piedade, sua mãe puxa você para perto do corpo dela. Por algum tempo, você finge que desiste. Até que, de repente, tomo uma nova martelada de calcanhar, dessa vez no baço, ou no pâncreas, seguida por uma mão se enfiando no meu nariz, ou no ouvido, ou alguns dedos babados passando pelo meu rosto. Sei que não posso abrir os olhos, pois assim serei vencido. Sei que preciso aguentar em silêncio, senão será a minha derrota. Sofro mais uma coronhada de calcanhar na bacia. Outra na boca do estômago. E não consigo me segurar. Receio levar uma batida no rosto. Ou na nuca. Você está ficando incrivelmente forte. Melhor não arriscar. Então, após alguns minutos de inútil resistência, abro os olhos. Você arregala os seus e sorri – o seu golpe de mestre. Naquele instante, tenho a certeza de que fui rendido. Sei que terei que levantar e brincar, não importa que horas sejam. Lutei, mas perdi. Jogo a toalha. Não sem antes fazer uma boa dose de cócegas, pego você no colo e me encaminho para a sala. Coloco você no chão, ligo a TV e começo a distribuir os seus brinquedos em nossa volta. Ainda meio zonzo por causa do sono, deito numa almofada, assistindo você sacudir um chocalho, ou apertar um botão de um brinquedo com a cabeça, ou brincar com uma mola de caderno. E percebo que esta é exatamente a cena que eu sempre quis.

Obrigado por me acordar para a vida, meu filho.
Parabéns pelos seus 2 anos. Que seja um ano muito feliz. 

Papai