terça-feira, 4 de setembro de 2012

Omelete



− Você tem outro?
− Hum?
− Você me ouviu muito bem, Carolina. Responde.
− ...
− Responde!
− Não.
− Não responde ou não tem outro?
− Não tenho outro, Victor. Não te-nho ou-tro. Entendeu ou quer que eu desenhe?
− Então por que demorou tanto pra responder?
− Ah, sei lá, Victor. Que papo chato. Eu aqui, toda disposta fazendo comida pra gente e você aí falando besteira. Eu vou colocar um presunto picadinho na minha omelete. Você vai querer?
− Não, mas não foge do assunto, Carolina. Por que demorou pra responder?
− Porque você está sendo um grosso, Victor. Porque fica sugerindo que eu sou uma vagabunda oferecida. Olha, Victor, eu vou dizer uma coisa pra você. Se eu quisesse botar um par de chifres nessa sua cabeça, eu já tinha botado há muito tempo. Porque você sai pra beber com o Dedéu, vai pra não sei onde, volta sei lá que horas da madrugada e eu nunca faço uma pergunta sequer. Não dou um pio. Fico na minha, só na confiança. E agora você me vem com esse nhe-nhe-nhém de "você tem outro"? Ah não, meu bem, aqui não.
− A Júlia esteve aqui ontem.
− Ah, é? De novo? Veio pedir a furadeira pela vigésima vez? Que fofinha... O que você fez? Deu uma furada nela?
− Depois eu que sou o grosso.
− Ah, tenha santa paciência, Victor. Essa piranha bate aqui o que... três vezes por semana? Queria ver o que você faria se eu ficasse pedindo pro vizinho me ajudar a pendurar quadro, a ver o vazamento do teto, blá, blá, blá. Isso é tudo desculpa pra falar com você, Victor. Você sabe disso. E o pior: você a-do-ra isso.
− De que vizinho você está falando?
− De vizinho nenhum, Victor. Meu Deus do céu! É uma situação hipotética! Eu estou dizendo que se fosse eu que batesse na porta dos outros, se fosse eu no lugar dela, você estaria todo desconfiado. Agora me diz: que história ela inventou pra vir aqui dessa vez?
− Ela estava com um problema.
− Ah, mas é claro. Porque além de policial militar, você é um excelente psicólogo, né, Victor? Ai, que ódio daquela vaca.
− Você está chorando?
− Foi a cebola.
− Não bota cebola na minha omelete, por favor. Você sabe que eu não gosto de cebola.
− E você sabe que eu não gosto daquela vagabunda!
− E do namorado dela, Carolina? Você gosta do namorado da vagabunda?
− Do que você está falando?
− É, Carolina, para sua surpresa, a Júlia tem namorado. Quer dizer, tinha. E para sua informação, ela nunca veio aqui pedir furadeira. Ela contratou uma investigação secreta.
− Investigação?
− Sim, Carolina. A Júlia desconfiou que estava sendo traída. E como eu mesmo pude constatar, ela estava certa. O filho da mãe tinha outra.
− E daí? O mundo está cheio de gente traída.
− É mesmo, Carolina?
− É, Victor. E quer saber? Eu estou de saco cheio dessa conversa. Não quero saber da Júlia, nem do namorado dela, nem da outra namorada dele. Toma aqui a sua omelete. Perdi o apetite. Eu vou tomar um banho.
− Você não quer saber o que aconteceu com o namorado da Júlia, Carolina?
− Não, mas pelo jeito você quer contar.
− Me passa a faca.
− Já está aí.
− Essa não. Aquela ali, de cortar carne.
− Pra que?
− Me passa a faca, Carolina.
− Ai, minha Santa Terezinha, toma essa droga dessa faca. E diz logo o que você quer dizer, pois eu quero tomar banho e dormir. Amanhã eu tenho que acordar cedo.
− Obrigado. Bem, como eu estava dizendo, a Júlia tinha um namorado. E eu disse tinha porque infelizmente ele foi achado morto hoje cedo.
− Morto?
− Esfaqueado.
− Que bizarro.
− É. Bizarro. E sabe o que é mais bizarro, Carolina? O cara estava traindo a Júlia com a namorada de um cara lá do quartel.
− Eu conheço?
− Conhece.
− Quem? Aquela loira que estava com o Dedéu?
− Não.
− Quem então?
− Pensa, Carolina.
− Ai, Victor. Sei lá. Diz logo. Eu não lembro das namoradas dos seus colegas. Só vi algumas naquele churrasco horroroso que você me obrigou a ir. É aquela baixinha, daquele gordo?
− Não.
− Desisto, então. Se quiser contar, conta logo, Victor. Sério. Eu estou cansada e tenho que acordar cedo.
− Eu descobri que o chifrudo do quartel, Carolina, não é o Dedéu. Também não é aquele gordo que, por acaso, se chama Antenor. Eu descobri que o corno do quartel, Carolina... sou eu.
− ...
− Que foi? Está surpresa?
− ...
− Fala alguma coisa, Carolina. Ou vai negar que você está se pegando há três meses com um advogado mauricinho filho de uma puta de esquina? Três meses, Carolina! Eu dando duro pra sustentar essa casa e você dando tudo o que é buraco praquele viado de terno, gravata e gel no cabelo. Você disse muito bem, Carolina. Se você quisesse botar um par de chifres na minha cabeça dura, já tinha feito há muito tempo. E não só o fez, como decidiu repetir o feito vinte e três vezes. Sabia que você deu vinte e três vezes praquele palhaço, sua piranha? Vinte e três vezes. Eu contei. E ainda vinha se roçar em mim à noite. Que apetite, hein, Carolina. Impressionante. Agora está aí, toda murcha. Nem parece a piranha que ontem mesmo estava pulando pelada em cima do amante. Diz alguma coisa, vagabunda. Você não tem nada a dizer?
− O Joaquim morreu?
− Não, Carolina. Tomou dez facadas e foi dançar balé. É claro que morreu, sua ignorante. Morreu de morte matada. Eu mesmo fiz o serviço. Com essa faca aqui.
− Você matou o Joaquim?
− Que isso? Vou ter que ficar repetindo? Além de piranha, ficou surda?
− Você é um monstro.
− Sou mesmo. Com vinte e três chifres na cabeça, anjo é que eu não ia parecer.
− Você devia estar na cadeia.
− E você devia estar num canil, sua cachorra.
− Eu vou embora.
− Não vai, não. Você vai ficar. Ainda mais agora que eu mudei de ideia.
− Que ideia?
− Sobre a omelete.
− Não entendi.
− Eu vou querer presunto. Bem picadinho.
− Victor, por favor, larga essa fac

− abão em pó Limpi, apenas cinco e sessenta e nove. Azeite de oliva La Siesta, dez e oitenta e nove. Farinha de trigo Soleil, dois e cinquenta e nove. Só na terça da economia Hiper Max. É mais barato pra você, é mais barato no Hiper Max.

*
Novo brinquedo do Antonio: controle remoto.

17 comentários:

  1. Ah, puxa. Estava super envolvida na história...:D Aqui em casa está assim também. Isso quando não desligam tudo. Essa geração adora apertar botões.

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    1. É impressionante. Os fabricantes de TV têm um nicho não explorado: vender controles em lojas de criança. E tem que ser do verdadeiro.

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    2. Pois é! Acredita que o meu marido comprou mesmo um desses controles universais na feira do paraguai para os bebês? Foi devidamente esterilizado e as pilhas recolhidas. Era um mordedor maravilhoso. Só perdeu um pouco o encanto quando eles perceberam que apertar os botões não tinha efeito algum...

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  2. Ahhh, captei ... kkkkkkk Demorou para cair a ficha ... rs

    Esse post me lembrou um exemplo de manchete sensacionalista que costumava ser mostrado na minha época de faculdade: "Matou a mãe em picadinho e foi ao cinema" (sic)

    Sutil, talentoso, pero violento o post ... "É mais barato no Hiper Max" ... rs

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  3. Socorro, Manuela do Prado ! De auto ajuda ele entornou o balde e narrou dois assassinatos !!!!

    Muito bom, mas que passional !!!!! rs rs rs Hoje foi pega prá capá.

    Beijos

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    1. Violência vende. Talvez não tanto quanto autoajuda, mas vende.

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  4. Quase que vc ia ter que desenhar pra mim rsrsr,mas acordei a tempo. O que não faz um controle remoto, hein?

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    1. Foi o primeiro brinquedo que fez o Antonio sentar sem as mãos, Sonia. Neste sábado.

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  5. Hahahahahah Também estava curiosa para o final da estória!!! Beijo p/ vc e p/ danado do Tomtom.

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  6. ahahahh estava ansiosa pelo final da história.
    bjss

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    1. Pois é. Na verdade acho que a coitada morreu. Não sei... Quem sabe. rs

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  7. Primeiro brinquedo que fez Antônio sentar sem as mãos! Que máximo! E para contar que ele usou o controle remoto você escreve esse texto. Gênio, Fábio. Parabéns de novo. Lourdes Teixeira

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    1. Escrever é só arranjar um outro jeito de dizer as coisas. Quem me dera ser um gênio, se é que isso existe. Luto muito com as palavras. bj

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  8. Espero que vc não tenha nenhum canal proibido p/ menores, uma vez que o Antonio já se apoderou do controle remoto!!! Bjs

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    1. Infelizmente (ou agora felizmente) não tenho, Cléo. rs bj

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