sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Pensem, pensem, pensem - Think, think, think

Há muitos anos, muito antes de eu passar cerca de oito horas dos meus dias vendendo cola de dentadura, shakes dietéticos e empréstimos bancários a taxas imperdíveis, fantasio com a ideia de transformar a quarta-feira em domingo.

Nenhum problema com a profissão que eu escolhi com toda a maturidade e auto-conhecimento que se tem aos 17 anos. Mas na minha opinião, um dia em que o indivíduo não tem tempo nem para almoçar não pode ser apropriadamente chamado de útil. E creio honestamente que Deus tenha adorado criar as plantas, os animais e as pessoas, porém aposto que Ele só foi feliz mesmo no seu domingão, com seu belo caneco de cerveja de trigo e futebolzinho na TV, e tantas outras maravilhas que inventou, mas que só pode desfrutar em um dia inútil.

Logo que comecei a trabalhar em agência de propaganda, um profissional respeitadíssimo da área escreveu um texto em que dava o seguinte conselho para uma turma de formandos: “trabalhem, trabalhem, trabalhem”. À medida que percebi que o autor não só era brilhante, mas que também tinha toda a razão, senti um frio na espinha. Ingênuo até a fronteira com a estupidez, eu acreditava do fundo do meu coração que tinha escolhido uma profissão em que as pessoas liam, liam, liam. Que iam ao cinema, iam ao cinema, iam ao cinema. Que viviam, viviam, viviam.

Ao contrário das minhas expectativas, cruzei com um monte de sujeitos de poucos livros na estante, cabelos esquisitos e que enchiam o peito para dizer que não tiravam férias há cinco anos. Os anos foram passando – e eu seguindo piamente a recomendação de trabalhar sem pestanejar – até que tomei coragem de parar, pensar melhor e discordar do guru, pelo menos em parte.

Pela ordem natural das coisas, formiga é formiga e homo-sapiens é homo-sapiens. Não nascemos para carregar pedra. Nascemos para pensar. O trabalho exaustivo traz frutos sólidos, sem dúvida. Mas as experiências de vida, mesmo as exaustivas, têm valor igual ou maior. Minha proposta é um equilíbrio mais justo entre trabalho e descanso, trabalho e descanso. O repouso é uma oportunidade para refletirmos se o nosso ganha-pão é o caminho que queremos da vida. E, se for o caso, ainda ajuda a juntar forças para recomeçar. Conheço uma dentista que está virando advogada aos 30. Jantei no restaurante de um médico que virou chef depois dos 40. Essas pessoas respiraram. E escolheram uma nova estrada para andar.

Outro dia estava comentando com um colega de trabalho o quanto tenho sido acordado à noite pelo Antonio. O meu amigo, que é pai de uma menina de 11 anos, contou que nos primeiros anos chegou a ter que dormir no berço da filha, para que ela parasse de chorar. Coincidentemente, pouco tempo depois, descubro um filme espanhol da Coca-Cola, para o dia dos pais, muito singelo e verdadeiro, inspirado exatamente nessa situação. Ponto para os hereges que escolhem sair às sete e passar as noites com suas famílias. Não posso afirmar, mas tenho um forte pressentimento de que o criativo que teve a ideia do comercial vivenciou aquilo na pele.

 

Meu elogio ao ócio parte da premissa de que ele seja desfrutado de forma responsável. Não pode faltar comida em casa. Mas uma vez supridas as necessidades básicas, ligue sim para os amigos e saia para tomar uns chopes. Às vezes, em busca da nova Mercedes, ou do novo cargo, vamos deixando a vida passar. Até que ela vem e nos dá um tapa na cara, com uma doença, com um filho especial, com o que quer que seja necessário para você acordar.

Já que o tema é publicidade, deixo aqui um outro filme, também espanhol, também da Coca-Cola, que tem uma mensagem emocionante sobre tudo isso que estou falando. Certamente o senhor do comercial também deseja que a quarta-feira se transforme em domingo. Aos 102 anos, ele sabe que a vida é muito curta para pensarmos apenas em trabalhar. Bom final de semana.


Think, think, think

Many years ago, way before I started spending eight hours of my days creating ads to sell denture adhesive, dietetic shakes and bank loans (“in rates one cannot miss”), I began wondering how nice it would be if we could turn Wednesdays into Sundays.

I have no problem with the profession that I chose with all the maturity and self-knowledge one has at age 17. But, in my opinion, if a person doesn’t even have time to stop working for lunch, the day shouldn’t really be called useful. I honestly believe that God must have loved creating plants, and animals, and people, but I also bet that he must have been truly happy on a Sunday, resting with his big mug of beer, with his football on TV and with many other wonders that He had invented, but that one can only really enjoy in useless days.

Soon after I started working at an ad agency, a very well known Brazilian copywriter wrote an article in which he gave a piece of advice for fresh advertising graduates: “work, work and work”. As I realized the author wasn’t just brilliant, but also that he was absolutely right, I felt a chill down my spine. As a naïve boy, almost stupid, I had believed deeply in my heart that advertising guys were people that read, read and read. I had believed I would be able to go to movies, go to the movies and go to the movies. I thought that admen in general were people that had time to enjoy life, enjoy life and enjoy life.

Instead, I came across lots of work colleagues that had few books on their shelves, that wore weird hairstyles and that were full of themselves while proclaiming they did not have a single day on vacation over the last five years. Time went by, and I followed blindly the advice to work, work and work. However, one given day I had the courage to stop for a moment, rethink and disagree from the well known copywriter, at least partially.

By rules of nature, ants are ants, and homo sapiens are homo sapiens. We were not built to spend our lives carrying stones. We are made to think. No doubt that exhaustive work brings along solid results and success. However, simple experiences from everyday life outside work are, in my opinion, equally valuable, or even more valuable. My proposition is a fairer balance between work and rest, work and rest, work and rest. Resting is an opportunity to think over if our job is really the path we want for life. And, in case you decide to make a big change, resting still helps to gather strength and start again. I know a dentist that is turning into a lawyer at age 30. Recently, I had dinner in a restaurant of an ex-doctor, who decided to become a chef long after he was 40. Those people took their time to breathe. And they have chosen a new path to walk on.

The other day I was talking with a co-worker about how often I have been awakened at night by Antonio. My friend, who is a father of an 11-year-old girl, told me that, at some point in the past, he had to sleep in his daughter’s cradle, so she would stop crying. A while after that, coincidently, I found out a Coca-Cola commercial for Father’s Day, created in Spain, that was very true, very simple and surely inspired by that exact situation. High five to all people who have the guts to leave work punctually at 7 p.m. and go home in order to spend time with their families. I cannot assure, but I have a strong feeling that the creative mind who had the idea for that Spanish commercial lived through that exact situation.(Watch it in Spanish on the YouTube link above. Translation: "For each corrupt man... there is 1 million dads doing all they can, asking for nothing. There are reasons to believe in a better world. Happy Father's Day.")

My advocacy in favor of idleness depends on the premise that it must enjoyed in a responsible way. There must not be an empty fridge at home. However, once the basic needs are fulfilled, call your friends, go out and have a couple of beers. Sometimes, while working our asses out for a new Mercedes-Benz, or a new job position, we let life go by. And we keep doing it until life decides to slap us in the face, either with a disease, or a special needs child, or whatever it takes for us to wake up.

Since we’ve been talking about advertising, I leave you with another commercial (subtitled in English), also from Coca-Cola, also created in Spain, in which there is a beautiful message about the point I’m trying to make. Certainly the character in the commercial also wishes that Wednesdays turn into Sundays. At 102 years-old, he definitely knows that life is way too short to be wasted inside an office. I truly recommend you watch it. Have a nice week.


Tradução: Mariana Casals

10 comentários:

  1. Estou na fase de transição... Deixei a "repartição" pra trás e penso seriamente em cursar jornalismo... Será que me transformarei em jornalista que gosta de arquitetura? Provavelmente...

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  2. Nunca é tarde para ver que a vida tem muito a oferecer...

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  3. ... do texto não preciso nem dizer. Já estou fã de tua escrita. Dos vídeos, hoje, um me fez chorar , o outro , pensar. #momento.de.refletir

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  4. É a eterna busca pelo equilíbrio: nem tão pouco esforço a ponto da falta de dinheiro ser um problema, nem tanto sacrifício/trabalho q te impeça de "viver a vida".

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  5. Concordo plenamente!! Não só com a necessidade de estarmos alertas ao que nos faz feliz (visto que deixei o marketing para atender nutrição esportiva.. rsrs), mas com a necessidade da "pausa" para avaliarmos a vida, refrescarmos a mente e estarmos mais aptos a PENSAR já que esse é o diferencial da nossa espécie, né? Beijos e parabéns!!!!

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  6. Camila, lembrei de várias pessoas enquanto escrevia este texto. Vocé é uma delas. bj

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  7. Fico tão feliz de encontrar alguém que também queria que quarta-feira fosse domingo! Imagina, que justo: trabalha dois dias, descansa um; trabalha dois dias, descansa dois.

    Em publicidade, orgulha-se de trabalhar sem parar, virar noite, sair tarde todo dia. Mas e o tempo para viver? Para ser pessoa, e não só redator? Como ter ideias sem ter referências, que estão na vida lá fora?

    Se for abrir uma agência, me avise que quero ser contratada. Isso se já não ter saído dessa publicidade para viver outros sonhos ;)

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  8. Exato. Prefiro ser editor dos seus livros. Bora? bj

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  9. Fantástico! Deveríamos ter mais tempo na vida para desfrutar das coisas boas. Trabalhar cinco dias por semana é demais! Não ter tempo para almoçar? Ridículo! Quarta feira se transformar em domingo? Perfeito! Adorei!

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    1. Lourdes, aos poucos a gente monta um exército e consegue aprovar essa proposta. rs rs Que bom que gostou.

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