terça-feira, 18 de outubro de 2011

Ilha deserta - Desert island

Passam os séculos e a questão filosófica preferida das crianças de 8 a 80 anos continua a mesma: o que você levaria para uma ilha deserta, se pudesse escolher apenas um item? Eu confesso que ficaria extremamente tentado a carregar um enorme pudim de leite, com furinhos e calda de caramelo, para morrer feliz na areia, de sede ou de hiperglicemia, mas com minhas lombrigas, fiéis companheiras, extasiadas de felicidade no seu momento final.

Porém, uma vez superado o ímpeto da gula, e pensando em ter alguma chance de sobrevivência, certamente acabaria optando por um computador, com 2 horas de bateria e alguma conexão wi-fi decente (na minha ilha deserta é possível pegar a internet de alguma outra ilhota caribenha ali por perto).

Imagino que o seu espírito crítico, incauto, já esteja vociferando dentro da sua cabeça. Não vale! Ele escolheu três coisas! E além de tudo é burro. Seria muito mais proveitoso levar um maçarico, um jogo de facas Ginsu ou qualquer spray que mate tarântulas gigantes, formigas assassinas e outros monstros do gênero.


Antes que você discuta demais – e se arrependa – pense comigo. Duas horas de internet são suficientes para mudar o mundo. Imagine se Napoleão pudesse consultar o site do Weather Channel, por exemplo. Certamente cancelaria a sua vergonhosa investida em território russo, e evitaria que seus soldados morressem congelados a -30º C, ou que passassem para o outro mundo feito espetinhos de gente, assados nas fogueiras feitas para fugir o frio.

O meu mundo, pelo menos, a rede já mudou. Quando minha mulher e eu recebemos o diagnóstico da síndrome do Antonio – uma deleção 6q, uma parte faltando no braço longo do seu cromossomo 6 – sabíamos que era algo raro, mas não imaginávamos o quanto. Nas primeiras buscas só vinham informações difusas, muito científicas e nada concretas. A única luz que avistamos foi o blog de uma mãe, também náufraga naquele mar de dúvidas, a buscar outras famílias convivendo com deleções 6q.

A autora do blog, mãe de uma linda menina que também tem uma deleção 6q, foi a nossa bóia de salvação. Ela já tinha encontrado outra família com uma situação parecida, já tinha contato com uma organização no Reino Unido, especializada em distúrbios raros dos cromossomos, e nos entregou de mão beijada, muito antes de qualquer médico, o primeiro lote de informações confiáveis sobre o nosso Antonio.

Logo em seguida, por meio da ONG inglesa, entramos também para um grupo do Facebook, onde mais cerca de 180 pessoas compartilhavam da nossa situação. Poucos dias antes isso era impensável para mim e para a Ana. Nossos médicos daqui falavam em pouco mais de 30 casos relatados e menos de 100 casos conhecidos. Em toda a literatura médica mundial.

Em suma, hoje temos contato com 3 famílias no Brasil e mais um punhado mundo afora, todos muito solícitos em prestar informações, dividir experiências e nos ajudar a ajudar o nosso filho a ter a melhor qualidade de vida possível. Graças à internet, e não aos médicos, tínhamos conseguido o alento de que tanto precisávamos. Descobrimos que não estávamos sozinhos.

Por isso, numa ilha deserta, onde se pode enlouquecer de solidão muito antes de morrer de fome, não tenho dúvida de que levo o meu notebook. Naquelas duas horas de bateria deixaria pedidos de socorro em todas as redes sociais, postaria fotos da ilha, dividiria tudo o que eu soubesse daquele lugar. Sei que cedo ou tarde, alguma boa alma virtual me encontraria e, no mínimo, começaria uma campanha online para me resgatar.

Por via das dúvidas, já me adianto no pedido. Se um dia você estiver em um daqueles cruzeiros com show do Roberto Carlos, deleitando-se com camarões e lagostas no buffet, lembre de também dar uma olhadinha para o oceano de vez em quando. E se por acaso avistar um maluco numa ilha, digitando desesperadamente, envie um daqueles botes salva-vidas. Por favor, faça isso por mim. Especialmente se tiver pudim de leite a bordo.


Desert island

Centuries come and go and the philosophical question of children between 8 and 80 remains the same: what would you take to a desert island, if you could choose just one item? I confess I would be extremely tempted to take a huge milk pudding, with little holes and caramel sauce, so I could die happy on the sand, either from thirst or hyperglycemia, but with my worms, my faithful companions, ecstatic from happiness in their final moments.

However, after surpassing the impetus of gluttony, and thinking I might stand a chance of surviving, I would certainly opt for a computer, with 2 hours of battery and some decent Wi-Fi connection (my desert island can access wireless internet from another Caribbean island nearby).

I can imagine your critical spirit is already crying out loud. It doesn’t count! He chose three things! Besides everything else, he is stupid. It would be much more reasonable to take a blowtorch, a set of Ginsu knives or any spray that kills gigantic spiders, assassin ants and other creatures of that sort.

Before you argue too much – and regret it – think with me. Two hours of internet connection is enough to change the world. Imagine if Napoleon could consult the Weather Channel, for example. Certainly he would cancel his shameful assault to the Russian territory and prevent his soldiers from freezing to death under a -30ºC temperature, or that they passed over as sticks of people, roasted in the fires to escape the cold.

In my world, at least, the web has made a huge change. When my wife and I received the diagnosis of Antonio’s syndrome – a 6q deletion, a part of the long arm of his chromosome 6 deleted – we knew it was rare, but we didn’t imagine how much. The first researches we only found diffuse information, too scientific, not so concrete. The only light we saw was the blog of a mother, also a castaway of that sea of doubts, searching other families also living with 6q deletion.

The author of the blog, the mother of a beautiful young girl also with 6q deletion, was our float of salvation. She had found another family with similar story, she had contacted an organization in the UK specialized in rare chromosome disorders, and gave in the information, way before any doctor, the first round of reliable information about our Antonio.

Soon after that, through the UK NGO, we joined a Facebook group, where around 180 people shared our situation. Just a few days before that it was unimaginable both for me and Ana. Our doctors here mentioned just a little over 30 reported cases and less than 100 known cases. In all the world’s medical literature.

In a nutshell, today we are in contact with 3 families in Brazil and some more overseas, all very amicable giving information, sharing experiences and helping us help our son to have the best quality of life available. Thanks to the internet, not to the doctors, we had the comfort we needed. We found out we were not alone.

So, in a desert island, where you can go crazy by loneliness way before dying of hunger, I have no doubt I would take my notebook. In those two hours that the battery works, I would leave messages asking for help in all social media, I would upload pictures of the island, share all I knew about the place. I know sooner or later, some good virtual soul would find me and, at least, start an online campaign to rescue me.

To be on the safe side, I make a request in advance. If you are ever in one of those Roberto Carlos’s cruises (Brazilian singer), eating lobster and shrimp in the buffet, remember to check the ocean once in a while. And if by any chance you see a crazy person in an island typing desperately, throw him a lifeboat. Please, do it for me. Especially if there is milk pudding on board.


Tradução: Mariana Casals

5 comentários:

  1. Espetacular suas conexões! Texto surpreende do começo ao fim... Congrats! E deixa comigo, que mando o bote...mas o pudim, sorry, fica comigo!

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  2. Demais o blog, Fabinho. E belo texto. Uma visão particular e bem definida sobre o potencial de se viver conectado, buscando, absorvendo e compartilhando.

    O texto ainda me fez lembrar de uma outra história, do Fred, que se pudesse escolher um emprego em todo o mundo, escolheria ser gerente de clube. tsc tsc.

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  3. Você consegue ser leve, cômico e tocar nossa sensibilidade com apenas 1 post !! Estou gostando de acompanhar seus textos! Veja, tantos dizem que a internet serve para "separar" o contato entre as pessoas, claro, há margem para essa crítica. Mas veja como o bem maior ainda é a união, a difusão de informações , o conhecimento, o compatilhamento e sensação de não estarmos só!

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  4. Doca fez minhas, as suas palavras! Mas eu levarei a metade do meu pudim para vc!!!Estou adorando este blog e serei sempre uma fidelíssima leitora! Vc escreve de uma maneira muito bonita, leve, ao mesmo tempo engraçada! Continue assim, ávido por tudo que vc puder saber sobre a sindrome do Antonio! Um beijo grande para vcs três e pode contar comigo para o que der e vier!!

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  5. Olá. Escrevi pra vc há umas duas semanas sobre o meu filho, o César, que tem uma deleção no cromossomo 14 e não sabemos exatamente do que se trata, não temos notícia de nenhum caso parecido. Gostaria de saber se vc poderia me passar o contato dessa instituição do Reino Unido para pedir um socorro pra eles também. Me sinto ainda um pouco atordoada e perdida com tantas informações e ao mesmo tempo com a falta delas, se é que vc me entende (sei que entende). Muitíssimo obrigada desde já. Simone Quadros (Novo Hamburgo - RS). Se preferir passar para o meu e-mail é monequadros@hotmail.com. Grande abraço

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