segunda-feira, 29 de julho de 2013

Para Cora


Há cerca duas semanas fomos avisados, por uma mensagem para o grupo de pais do qual fazemos parte, que uma criança americana com deleção no mesmo cromossomo que o Antonio – o cromossomo 6 – não resistiu às complicações da síndrome.

Não se pode dizer que ela tinha a mesma síndrome que o nosso filho. Deleções são partes apagadas do código genético. Se a criança nasce com um determinado pedaço apagado, as complicações podem ser problemas renais, respiratórios, entre outros. Porém, se o bebê nasce com outro pedaço perdido, embora do mesmo cromossomo, as questões de saúde podem ser completamente diversas, como problemas cardíacos, convulsões e assim por diante. Cada gene perdido é responsável pela formação de algum sistema diferente. E já que os genes apagados nas crianças raramente são coincidentes, pode-se dizer que a síndrome do Antonio (que não tem nome, é chamada apenas de Deleção do Cromossomo 6) dificilmente apresenta as mesmas conseqüências de saúde para as crianças ou o mesmo padrão de desenvolvimento. A única característica constante é o grave atraso motor e o retardo mental. As complicações de saúde – e sua gravidade – variam imensamente de criança para criança.

De toda maneira, a perda de uma criança com uma síndrome parecida, mesmo que minimamente, com a do meu filho, me comoveu de forma sem igual. Especialmente porque a mãe da menina relatou os últimos dias dessa luta, numa forma de compartilhar a dor, ou de refletir sobre tudo o que estava acontecendo. Não sei os motivos. Só sei que não foram dias fáceis para aquela família. Depois de inúmeras cirurgias sem grande sucesso e de incontáveis tentativas de tratamentos com medicamentos, foram avisados pelos médicos que não havia mais o que fazer para ajudar o coração da criança a funcionar. Ainda havia uma possibilidade de uma nova cirurgia, mas o bebê estava cansado, e teria poucas chances de sobrevivência. Os médicos dividiram que respeitariam qualquer decisão da família, mas emitiram a opinião que talvez o melhor fosse conviver com aquela criança da melhor maneira possível, pelo tempo que fosse possível. Por respeito à vida daquela pequena criança, talvez fosse a hora de parar de tentar salvá-la.

Não posso imaginar o quão difícil deve ter sido para esses pais tomar uma decisão tão dura. A bebê, chamada Cora, era a terceira de uma família completamente saudável. Sua irmã e irmão, poucos anos mais velhos, não viam a hora de voltar com a caçula para casa, quando seus pais tinham que pensar – sem perder a cabeça – na possibilidade de autorizar que aquele bebê nunca mais voltasse.

Com uma dor transmitida a cada frase, a mãe relatou que eles decidiram pela felicidade do bebê. Sentiam que sua filha estava cansada. Sentiam que haviam tentado de tudo. Decidiram tirar os tubos de respiração. Decidiram interromper a medicação. Decidiram deixá-la viver melhor, mesmo que isso fizesse o coraçãozinho dela parar.

Cora ainda sobreviveu 48 horas. Sorria sem parar. Trocava carinhos com a mãe. Recebeu visitas de inúmeros amigos da família. Cantaram “Three Little Birds” para ela. Ganhou últimos beijos dos irmãos. O relato deixou claro que foram momentos inesquecíveis. Vê-la sem enjoar por causa dos medicamentos. Vê-la bem, sorridente, brincando com as mãozinhas, mesmo que com o aviso dolorido dado pela sua respiração, cada vez mais curta e difícil.

Depois de muito lutar e de ganhar de presente dois dias de vida normal, Cora faleceu nos braços de sua mãe, numa noite tranquila, pouco depois da meia-noite, ouvindo cantigas, coberta de beijos e amor.

Na manhã seguinte à noite em que li esse relato, abracei meu filho longamente. E percebi que algo havia mudado em mim. Entendi, de forma mais clara do que nunca, o quanto tivemos sorte com o Antonio, mesmo nos dias mais difíceis. Relembrei os últimos meses e vi que todas as questões de saúde que passamos com ele sempre tiveram resultado positivo. Desde que ele nasceu, não perdemos uma batalha sequer.

Ao ver aquela família, igualmente dedicada, ter que tomar a difícil decisão perder o seu bebê, entendi que o bem-estar do meu filho não é somente resultado de bons cuidados ou do amor que temos por ele.

A vida – dele, minha, da nossa família – é um presente. 
E desde aquele dia, tenho procurado formas de agradecer.

29 comentários:

  1. Nem dá pra comentar nada...só abraçar meu filhote ( um homem de 25 anos...)Obrigada, Flizam!!!

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  2. Lindo, Fabinho.
    Enjoy your gift! :)

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  3. Sem palavras, so compartilhando as emocoes, suas e deles.

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  4. Obrigado por nos presentear com sua bela reflexão, Fabio.

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  5. É Fabinho, a gente nem imagina que está sendo presenteado enquanto vive, mas está o tempo todo! Saudades agudas de seu senso de vida!

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  6. Vivemos tão atarefados que não nos damos conta dos pequenos presentes que recebemos em nossas vidas, como a saúde. O Antonio é um guerreiro ao meu ver, pois tem lutado batalhas diárias e tem sido vitorioso em todas, digo isso ao menos conhece-lo pessoalmente, mas você, Fábio, transmite as vitórias dele e tenho ele como exemplo, mesmo com a sua pouca idade. Vi a família de amigos meus perder duas filhas, a dor de uma família em enterrar suas caçulas, a dor da compreensão de que eles lutaram ao máximo, mas que era necessário deixá-las viver o quanto fosse possível.

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    1. A gente vai crescendo com a vida dos outros. Obrigado por nos acompanhar por aqui.

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  7. Impossível não me emocionar com cada um de seus textos. Você é um pai fantástico e o Antonio é um menino de muita sorte! Parabéns e muito obrigada por iluminar as nossas vidas!

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  8. Obrigado, Fabinho! Mais uma vez vou chegar em casa e abraçar minha filha também. E agradecer por tudo que essas crianças nos trazem de bom. Que essa família saiba também que esses gestos nos ensinam muito. Obrigado por compartilhar.

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    1. Acredito que eles sabem Padim. Dê um beijo na Inah mandado pelo Tom.

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  9. Nossa, fiquei até com falta de ar ! Bjs. Cacá

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    1. Tb fiquei mal no dia que soube. É uma situação desumana.

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  10. Que toda essa estrada tortuosa se transforme em caminhos de luz na vida de vocês. Parabéns pela capacidade de ser os pais que são.

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  11. Fábio, passamos por isso recentemente aqui na família. Não com um bebê, mas com meu tio de 46 anos que tinha câncer cerebral. Pessoa muito amada e que queria muito viver, apesar dos limites que foi adquirindo. É triste, mas fica a lição concreta de que devemos cuidar e demonstrar sem receio nosso amor. Aproveitar cada dia. Abrace muito Tom Tom. Sempre. É maravilhoso termos quem amamos ao alcance dos braços.

    Chorei aqui. Adoro a delicadeza com que escreves.

    Beijo aos 3.

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  12. E como a gente tende a esquecer né? Como a gente tende a esquecer o quão precioso são nossos presentes..
    Fazia tempo que não comentava aqui, mas saiba que seus textos sempre me fazem refletir. E nessas reflexões sempre encontro algo que posso melhorar, que posso fazer em prol de alguém.
    Nesse exato momento, eu vou deitar com meu filho, que tem 18 anos e bater um papo com ele. Vou brincar com ele, ou vou apenas abraçá-lo. Ele está num período da vida dele em que está tomando decisões que podem afetá-lo pra sempre e na correria do dia a dia, por vezes deixamos de lembrar que o mais importante é estar junto e viver cada momento e nunca deixar pra depois. Obrigada por me lembrar disso hoje, com esse texto lindo..
    Não faço ideia do que a mãe de Cora passou ou está passando, mas tenho a mais absoluta certeza que tudo que ela fez foi amar incondicionalmente seu bebê e dou minha vida que ela não se arrepende um minuto de ter tido Cora nem que seja por um período de tempo tão curto...
    Abrace mesmo o Antonio, agradeça por ele, porque eu sei que ele é o responsável direto por te fazer ser uma pessoa melhor a cada dia, sei que ele é o responsável por te fazer sorrir mesmo nos dias mais difíceis.
    Um beijo no seu coração e obrigada de novo por esse texto lindo..

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  13. Fábio, fico admirada como você transmite de forma genial as situações, as emoções e experiências. Como grande amiga da sua irmã, acompanho o desenvolvimento do Tom Tom.
    Parabéns pela família, pelos atos e por compartilhar conosco.
    Beijos,
    Carol

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  14. Tem que agradecer mesmo, Fabinho e Ana. Antônio é um presente que DEUS deu a vocês sabendo que VOCÊS teriam o DOM de cuidar dele como ninguém!
    Tenho certeza disso!
    Admiro a cada dia o empenho e amor que vocês demonstram e tem pelo Antônio! Ele, com certeza, É UMA CRIANÇA FELIZ!
    Bjs, Adriana Nina

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