segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Queremos sangue

Após tomar um tapa na cara, a ruiva se levanta da cama e anda até o espelho do banheiro. Ela tira um batom vermelho do bolso e abre um pouco os lábios para retocar a maquiagem. Em silêncio absoluto, um homem surge na janela, com um fuzil nas mãos. Antes que se possa raciocinar, um tiro estrondoso faz a cabeça da mulher explodir, jorrando sangue e miolos na parede. Meu filho assiste a tudo de boca aberta e olhos arregalados. Mal respira, tamanha a concentração. Um ano e sete meses. Fã de filme de ação.

É claro que nem minha mulher nem eu havíamos percebido que o Antonio tinha desistido de brincar com o seu pinguim inflável – coisa que não é pouca, já que o pinguim é definitivamente o seu melhor amigo, real e imaginário, ganhando em estima do pai, dos avós, da babá e quiçá da mãe – para se compenetrar no filme impróprio para menores de 16 anos a que estávamos assistindo. Tentei virá-lo contra a tv. Em vão. Tentei tapar os olhos dele nas cenas mais pesadas. Perda de tempo. Assim que eu olhava para a tela, ele desviava para escapar do bloqueio. Pequeno sim, bobo não.

O filme de fato tinha um cardápio variado para quem gosta de violência. Não se limitava a tiros à queima-roupa. Teve morte a garfadas, crânio esmagado com pisadas, pulso cortado a navalha, faca na garganta, afogamento forçado e o clássico capotamento colina abaixo após perseguição de carro. Teve até um romancezinho sem sal para entreter as damas da casa – no caso, peça única: a Ana. Mas desta vez quem se deu bem fomos nós, os homens, com nosso cérebro programado para gostar de planos de vingança mirabolantes e atiradores que encaram máfias inteiras sem sofrer um arranhão. Quem se deu bem fomos eu e o Antonio, que ainda nas fraldas já demonstra gosto cinematográfico apurado. Agora tenho parceiro para rever pela septuagésima vez a trilogia do Poderoso Chefão.

Sei que não será fácil concorrer com o incrível pinguim inflável, um ágil joão-bobo, que ao melhor estilo Rocky Balboa, encara sequências infinitas de golpes sem se deixar abater e ainda se levanta de volta com um inabalável sorriso na cara. Tenho consciência de que será difícil competir com os filmes da Galinha Pintadinha, cuja trilha sonora figura há quinze meses no topo das paradas lá em casa. Mas tenho Chuck Norris, Arnold Schwarzenegger e Jean-Claude Van Damme ao meu lado. Tenho Steven Spielberg, James Cameron e até Woody Allen para me ajudarem. Não sei se algum dia meu filho vai assistir a um filme de cabo a rabo. E não tenho muitas esperanças de que um dia ele saia da infância ou seja capaz de entender uma história completa. O fato é que não vejo a hora de levar o Antonio ao cinema. Afinal, ser pai é um pouco disso: mostrar o quanto o mundo pode ser divertido. E se for preciso ketchup voando para que o meu filho se divirta, é ketchup voando que iremos ver.



4 comentários:

  1. Agora já sei quem pode se deliciar ao meu lado vendo Sony bater no cunhado com a tampa de ferro do latão de lixo...
    É isso aí Tom Tom: Patati Patatá é pros fracos!!! <3

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    1. Se bem que se o Patati Patatá forem assaltantes de banco psicóticos, pode até dar um bom roteiro.

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  2. ka ka ka ka ka !

    Oh, guri, tens é que proteger teu filho das mardades da vida, mesmo no cinema. Isto é filme prá se ver perto de um bebê! Aqui vai uma chinelada sangrenta ! Da mamãe.

    Tom Tom deve ter gostado da cor vermelha. Que é linda.

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